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Ministério Público Federal (MPF) e as polícias civis do Rio de Janeiro e de São
Paulo investigam as reais motivações e os responsáveis por trás de um site
denunciado por milhares de internautas por causa de textos que fazem apologia a
crimes como racismo e pedofilia. Especialistas ouvidos pela Agência Brasil não
descartam a hipótese de que a página esteja a serviço de pessoas ou grupos
interessados em prejudicar desafetos; disseminar o ódio contra as minorias
sociais e conquistar audiência por meio de polêmicas – tática comum a vários
sites e blogs sensacionalistas.
Só
a organização não governamental (ONG) SaferNet, que se dedica à prevenção e ao
combate a crimes contra os direitos humanos na internet, recebeu mais de 11 mil
denúncias em menos de 48 horas. Analistas da ONG estão analisando o conteúdo
dos textos denunciados para subsidiar as investigações já instauradas pelas
procuradorias da República em São Paulo e no Rio de Janeiro.
Criado
em dezembro de 2017, o site que provocou a revolta de internautas com postagens
intituladas "Espancar Negros Libera Adrenalina" e "Pedofilia Com
Filhas de Mães Solteiras" ganhou destaque após publicar ofensas a
estudantes e a um professor da UniCarioca. Todos os alvos da publicação tiveram
as fotos e nomes divulgados em um texto que caracterizava a instituição de
ensino como uma “senzala gigantesca”. Um dos estudantes foi ameaçado de morte
pelo agressor, que reclama da presença de “negros e mestiços” em ambiente antes
dominado pela “elite branca”.
Após
pedir a instauração de inquérito na Procuradoria da República no Rio de
Janeiro, o procurador Daniel Prazeres, do Grupo de Combate a Crimes
Cibernéticos, solicitou a ajuda da Polícia Federal (PF) e da Polícia Civil
fluminense para tentar identificar os responsáveis pelo site.
“Este
é um caso grave e complicado, já que a principal motivação pode ser prejudicar
a terceiros, e não o racismo. É uma apuração muito difícil, que vai ter que ser
feita em conjunto com vários órgãos e que traz à tona uma série de temas com os
quais ainda estamos aprendendo a lidar”, ponderou o procurador, destacando que
o fato de o site estar hospedado em um servidor no exterior pode atrasar a
apuração.
Um
dos textos publicados na página contém a seguinte mensagem: "Não adianta
denunciar meu site. Eu gozo de impunidade e o site vai continuar online. Já
paguei dez anos de servidor e coloquei mais de 50 artigos para serem postados
automaticamente”.
Enquanto
a investigação transcorre, a SaferNet recomenda que as pessoas evitem acessar
ou compartilhar links de acesso a este e outros sites com a mesma temática. De
acordo com diretores da ONG, as pessoas à frente desse tipo de página costumam
adotar a estratégia de gerar polêmicas para divulgar anonimamente ideias
criminosas e preconceituosas e, assim, conquistar audiência. Desta forma,
passam a ganhar dinheiro com publicidade ou mesmo assumindo o controle dos
computadores de internautas desavisados.
Ameaças
As
vítimas citadas no texto sobre a UniCarioca registraram um boletim de ocorrência,
e a Polícia Civil passou a investigar as denúncias, inicialmente tratadas como
de racismo. No entanto, outros textos publicados fazem apologia a diferentes
tipos de crime. Em uma postagem, os leitores são incentivados a doparem,
raptarem e abusarem sexualmente de crianças, e o site ameaça fazer o mesmo com
a filha de uma professora da universidade, de 11 anos.
“É
um absurdo o que escreveram e eu não tenho a menor noção do porque de eu e
minha filha termos sido envolvidas nesta situação”, disse à Agência Brasil a
professora, que preferiu não se identificar. “Não tenho desafetos dentro ou
fora da instituição e não tenho a menor ideia da motivação disso”, acrescentou
a professora, que, após o episódio, bloqueou o acesso às páginas que ela e a
filha mantinham em uma rede social.
Além
do inquérito instaurado pela Polícia Civil do Rio de Janeiro, desde 2017, a
Polícia Civil de São Paulo já vem apurando a ação de pessoas que enviaram
mensagens eletrônicas chantageando e ameaçando ativistas sociais e pessoas
públicas, como a advogada Janaína Paschoal. A suspeita é que os responsáveis
pelo site podem estar de alguma forma associados ao episódio, já que os e-mails
continham o nome da mesma pessoa a quem são atribuídos os textos publicados.
"Roubo"
de identidade
Quase
todos os textos publicados no blog são atribuídos a Ricardo Wagner Arouxa que,
segundo a UniCarioca, já estudou na instituição. Em depoimento à Polícia Civil
do Rio de Janeiro, Arouxa alegou ser vítima da ação de pessoas que usam sua
identidade para prejudicá-lo e se esconder das autoridades.
Em
entrevista à imprensa, o delegado carioca que colheu o depoimento de Arouxa
disse que o rapaz é uma vítima dos verdadeiros responsáveis pelo site. A
hipótese e os motivos, no entanto, continuam sendo apurados, e a polícia não
forneceu mais detalhes.
Apesar
da declaração do delegado, Arouxa continua sendo atacado nas redes sociais por
causa do conteúdo dos textos a ele atribuídos. Ao tentar conversar com o jovem,
a reportagem da Agência Brasil ouviu de seu pai que o nome do filho vem sendo
usado indevidamente há, pelo menos, dois anos. E que, desde então, o rapaz teve
a vida devassada na internet.
“Os
telefones dele foram divulgados na internet, incluindo o daqui de casa. Até
ameaça de morte nós recebemos. Divulgaram até o endereço e o telefone do
hospital em que ele trabalhava, ameaçando ir lá pegá-lo. Até pessoas famosas
ligam aqui em casa procurando por ele, dizendo que vão processá-lo”, contou o
pai de Arouxa, que também pediu para que seu nome não fosse divulgado. “Na
semana retrasada, policiais estiveram aqui em sua casa e levaram todos os
computadores que encontraram”, acrescentou o pai do rapaz, com quem a
reportagem não conseguiu conversar. A Polícia Civil do Rio de Janeiro disse que
as investigações ainda não foram encerradas e que não comentará o assunto.
Uma
das pessoas agredidas em e-mails atribuídos a Arouxa foi a advogada Janaína
Paschoal, que participou do processo de impeachment da presidente Dilma
Rousseff. Em setembro de 2017, a advogada revelou estar recebendo e-mails com
ameaças a ela e a sua família, além de cobrança de valores em dinheiro para
deixá-la em paz. Após denunciar o caso à Polícia Civil de São Paulo, Janaína
conseguiu o telefone do rapaz e entrou em contato com ele. “Ele me disse que
estavam usando o nome dele indevidamente. Pareceu-me que os próprios delegados
não acreditaram que ele fosse o real culpado, mas nunca mais voltei a falar com
ele e estou aguardando o resultado da investigação policial”, contou.
Para
a SaferNet, não será nenhuma surpresa se a investigação confirmar que Arouxa
teve a identidade virtual roubada e é mais uma vítima de grupos organizados que
usam da estratégia de gerar polêmicas e ofender grupos da população, como
mulheres, negros e homossexuais, para alavancar os acessos e obter vantagens
financeiras.
A
ONG lembra que, em 2012, a PF prendeu duas pessoas, posteriormente condenadas,
por divulgação de mensagens com conteúdo discriminatório falsamente atribuídas
a uma terceira pessoa. Batizada de Intolerância, a operação também investigou o
envolvimento dos criminosos com o autor do chamado Massacre de Realengo, em
2011, no qual um rapaz de 23 anos invadiu a Escola Municipal Tasso da Silveira,
no Rio de Janeiro, e matou 12 estudantes, antes de se suicidar.
A
organização destaca que as pessoas não devem disseminar mensagens de ódio, pois
o justiçamento virtual é uma ação precipitada e que pode levar a graves
consequência. (Agência Brasil)
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